O monte Roraima
Um pouco da tradição e das lendas que cercam este monte


As lendas antigas são, às vezes, persistentes e a América do Sul não constitui uma exceção a esse respeito. Ainda hoje as histórias de cidades, de raças perdidas, de minas muito ricas, de indígenas brancos, de pigmeus, de mulheres guerreiras, de dinossauros, vestígios da época mesosóica, atordoam os ouvidos de quem viaja pelo interior de alguns estados brasileiros. Não é de se admirar que romancistas tenham aproveitado esse tesouro de invenções e em alguns casos é difícil precisar se uma história que surge de repente baseia-se em um rumor direto, uma vaga lembrança ou ainda uma história escrita que lucrou muito ao ser ligada a esse boato.

Durante os primeiros anos do século 20, viu-se realizar uma espécie de reclassificação geográfica. Os "rumores" de ricos tesouros concentravam-se geralmente no antigo estado de Mato Grosso enquanto os romances situavam-se no monte Roraima que, coisa estranha, conquistou logo celebridade política.

No ponto em que as fronteiras da Guiana, da Venezuela e do Brasil se encontram, a fronteira do Brasil e da Venezuela faz uma curva de 480 quilômetros na direção oeste antes de virar ao sul para cercar a saliência formada por Roraima. Essa extensão de 480 quilômetros segue a Serra Pacaraima, cadeia montanhosa pouco elevada que alinha uma série de mesas de cume achatado isoladas do campo em volta por contrafortes excessivamente abruptos. Na junção da Guiana, da Venezuela e do Brasil encontra-se o monte Roraima que se eleva perpendicularmente a 1.200m da planície a uma altura de 2.850m acima do nível do mar. Os arredores da montanha têm uma extensão de 30 quilômetros quadrados. 0 cume é muito desnudo e rochoso e uma das altitudes mais curiosas é o estranho Pináculo de Towakaima que está situado na extremidade sul desta muralha de 4 milhas orientado de sul para este. Não longe acha-se uma altitude menos elevada, mas semelhante: o monte Kanuku.

Depois, a 290 quilômetros a oeste de Roraima, na Venezuela, há outra montanha do mesmo gênero, mas bem maior, Auyantepui, que se eleva também, à mesma altitude, mas com uma zona de 550 quilômetros quadrados. E, a 550 quilômetros ao sudoeste de Auyantepui, o planalto Guiano termina no monte Duida, de elevação e estrutura comparáveis ao Auyantepui. 0 monte Duida é cercado por espessa floresta enquanto que o Auyantepui é desnudo e rochoso como o Roraima.

A Inglaterra obteve a Guiana da Holanda, na época das construções coloniais que decorreu após as guerras napoleônicas e de que resultou, a respeito da fronteira comum, numa briga constante com a Venezuela novamente independente. Como ninguém vivia ao longo dessa fronteira, exceto os indígenas, e ninguém aí estivera com a exceção de alguns aventureiros ou de exploradores, reinava alguma incerteza quanto a seu traçado exato.

Em 1840, Schomburgk planejou um traçado que terminou no monte Roraima ainda que não tivesse pessoalmente subido a essa montanha. Os venezuelanos recusaram aceitar aquele traçado e durante sessenta anos não cessaram, quando as guerras civis e as revoluções davam-lhes tempo para isto, de ameaçar a Inglaterra e de apelar para os Estados Unidos em nome da doutrina de Monroe. Em 1895 este pedido de apoio terminou por estremecer as relações entre a Grã-Bretanha e os Estados Unidos mas, em 1899, o decreto de uma comissão de arbítrio internacional impôs uma versão modificada do traçado de Schomburgk e essa decisão vigora ainda hoje.

A entrada do monte Roraima na literatura coincide com a época em que as discussões a respeito do traçado da fronteira estavam no auge, isto é, por volta de 1897. Foi nessa época que o presidente Cleveland dirigira uma mensagem do Congresso à Grã Bretanha dizendo que se esta regularizasse o conflito sem procurar um arbítrio, os Estados Unidos considerariam tal atitude como um ato de hostilidade. Entretanto, os agentes da coroa da Inglaterra preparavam uma emissão de selos para a Guiana nos quais figurava o nome do monte Roraima.

Durante esse mesmo ano, o escritor inglês Franck-Aubrey publicou um romance The Devil Tree of El Dorado, cujo prefácio apresentava um problema: deve-se ceder o monte Roraima à Venezuela? Aubrey desejava excitar a opinião britânica pretendendo que no cume do Roraima poder-se-ia encontrar um tesouro de animais e seres extraordinários.

Depois dessa introdução de caráter político, o autor entrava na narrativa que identificava Manoa, Eldorado e o monte Roraima como sendo uma só coisa. Seguia-se um estranho relato de uma cidade de torres brilhantes de ouro (cidade pré-egípcia) com habitantes cuja sabedoria lhes permitia viver muitos séculos.

Um segundo romance, obra de Arthur Conan Doyle, The Lost World situa-se também no monte Roraima. É uma das melhores obras de imaginação desse brilhante autor onde diferentes tipos de indígenas da América do Sul moderna e um homem macaco do tipo Pithecanthropus têm um papel dominante em um ambiente cujos elementos são tirados de diferentes épocas geológicas da história do mundo.

 
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