Uma visita inesperada
Chovia torrencialmente naquela tarde.
Uma sexta feira com promessa de chuva até a semana seguinte. Tempo ideal
para uma revisão dos clássicos, já devidamente locados: De volta para
o futuro 1, 2 e 3 e, é claro, todos os
filmes do "alien" disponíveis.
Só faltava mesmo a ida até o mercado da esquina, para renovar o estoque de
petiscos de queijo e, porque não, umas duas garrafas de vinho tinto.
Tomara que ela chegue logo, porque essas coisas são
importantes demais e não há tempo a perder (o mercado
deve fechar cedo, por causa da chuva).
Quando o taxi arrancou, mal pude ouvir o barulho do
motor, encoberto pela chuva que insistia em não amainar.
Já era hora, pensei comigo e fui logo atender à porta.
- Prof. Marcos?
- Sim, ele mesmo. O senhor é?
- Dr. Alfredo. Falei com o senhor pelo telefone sobre aquele assunto.
Alfredo Mendonça, pesquisador da Biblioteca Nacional e
integrante de uma das equipes mais produtivas da nossa
arqueologia. Lembrava-me dele como um sujeito alto, forte e decidido.
Mas isso tinha sido na juventude, quando o vi
numa palestra na faculdade. Os anos tinham sido
impiedosos com ele.
- Sim, claro. Entre.
Pensei comigo: resolvo isso logo e volto aos preparativos
para o fim de semana prolengado. Já acomodados na sala,
comecei ouvir com atenção o que aquele professor pesquisador tinha a
me dizer.
- Prof. Marcos, precisamos do senhor para uma pesquisa
de campo. Coisa para um ou dois meses.
Beleza, pensei. Um extra viria a calhar, afinal o DVD
estava pedindo um som 5.1 já fazia um bom tempo.
- Onde?
Numa parte ainda pouco explorada da mata.
- Que mata?
- Bem, na verdade... na amazônia. Mais precisamente, na
Serra do Enforcado.
Imediatamente me veio à mente uma lembrança: sítio 315,
município de Belo Monte. Não havia nada ali, a não ser
três pedras com inscrições que ainda não tinham sido
traduzidas. Ou pelo menos naquela época, exatos 16 anos
atrás, ninguém ainda tinha conseguido entender do que se
tratava. Eu estava lá, quando foram descobertas.
Era assistente do maior pesquisador de campo brasileiro,
Dr. João Carlos Trindade. Bem, na verdade eu era mais um
estudante estagiário do que assistente, mas isso não
tinha importância agora.
Ajeitei-me melhor na cadeira. Os filmes, os snacks de queijo e o vinho
podiam esperar um pouco mais.
- É o seguinte, Prof. Marcos... (fez uma pausa) ...há um mês
um estagiário do museu encontrou um pequeno manuscrito,
nos pertences do chefe da expedição Kauffman.
- Como o senhor sabe, essa expedição mapeou os sítios numa
região muito distante da Serra do Enforcado. Na verdade,
não sabemos ainda o que uma coisa tem a ver com a outra.
- O fato é que esse manuscrito permitiu-nos traduzir umas
poucas palavras, gravadas nas 3 estelas.
Tive que fazer um esforço para não rir. Eles estavam
usando o nome que nós, os estudantes, tínhamos dado às
três pedras: 3 estelas.
Talvez eles não soubessem que o nome foi dado em
homenagem à assistente do Dr. João Carlos, a bela Estela
Cardoso - enigmática, instigante e... desejável.
Apostávamos na época quem iria desvendar os mistérios
da Estela em primeira mão. Piada de estudante, claro.
- Sim, continue. O que foi traduzido?
- Alguma coisa parecida com... "lacrado com sete selos".
- Tem certeza que o texto faz esse tipo de referência?
- Sim, todos os especialistas consultados concordaram
com a tradução. A referência é essa.
- O senhor sabe muito bem, Dr. Alfredo, que não existe nada
em nosso passado, ou pelo menos o que conhecemos dele,
que faça menção ou referência a qualquer coisa guardada,
lacrada, fechada e ainda por cima, com selos. Se é que
podemos entender a frase literalmente. Se for isso mesmo,
então pode ser de alguma cultura ainda desconhecida e
isso, por sí só, já seria um achado e tanto.
- Bem Prof. Marcos, há uma outra coisa que foi descoberta
no museu. Um artefato, mas sobre ele não estou autorizado
a falar nada. Na verdade, só o vi uma vez. Preciso saber
apenas o seguinte: o senhor aceita participar de uma pequena
equipe, que em breve empreenderá uma pesquisa de campo no sítio 315?
- Serão três pessoas: o senhor, o nosso guia oficial na região,
que o senhor conhece bem e alguém designado pelo governo.
Creio que o nome é Almeida. Imagino que seja o Dr. Pedro
Marcelo de Almeida.
- Claro que aceito, Dr. Alfredo. Mas por que razão os
próprios pesquisadores do museu não foram convocados?
- Bem, Prof. Marcos, alguns já passaram da idade, se posso
dizer assim. Outros tem interesses financeiros que os
impedem e, bem, o senhor sabe como é a política nesses
departamentos.
- Sei, preferem alguém de fora por ser mais barato e para o
o caso da expedição fracassar.
- Hoje em dia ninguém mais
quer arriscar sua reputação e seu cargo vitalício em
alguma universidade do estado. Como será que os
pesquisadores do futuro irão nos classificar, quando
estudarem nosso comportamento na área científica?
- É um problema, eu entendo. Mas se o senhor aceita o
trabalho, vou então informar a direção do museu e
preparar a partida.
- Perfeito, segunda feira estarei pronto.
- Me desculpe, professor Marcos. A recomendação que recebi é para que
o senhor me acompanhe imediatamente, no caso de aceitar esse "convite".
- Não podemos perder nenhum dia sequer, nessa pesquisa.
Essas palavras despertaram realmente minha curiosidade.
Urgência? Sigilo? Não podia ser o pessoal do museu por
trás do que estava acontecendo, Urgência não é uma
palavra que eles conheçam. Tinha que ter mais agências
envolvidas, possivelmente alguém de fora também. De
repente pareceu tratar-se de algo grande.
- Certo. Deixe-me pegar pelo menos o chapéu e o chicote.
- Desculpe?
- Foi uma piada, doutor. Então vamos...
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