É curioso como certas passagens das nossas vidas são facilmente memorizadas, por conta de pequenos detalhes. Lembro bem quando criei o Aventuras na Selva e as razões que me levaram a escolher a amazônia como tema e principalmente a decisão de fazê-lo em língua portuguesa.

Durante meu aprendizado de programação peregrinei por livrarias do Rio e São Paulo em busca de livros importados sobre técnicas e linguagens, até que um dia esbarrei num livro de programas para os micros compatíveis com o Sinclair ZX81.



O livro continha vários jogos clássicos e no final havia um pequeno adventure e ao digitá-lo comecei a descobrir aquele universo de possibilidades que só existe nesses jogos. Foi paixão à primeira linha digitada. Todo feito em Basic, o City Of Alzan era um jogo bem simples pois, de acordo com o autor, era praticamente impossível ter um adventure complexo num micro com 16 Kbytes de Ram.

Joguei inúmeras vezes o City of Alzan sem conseguir sair da cidade (que era povoada por bandidos e ladrões). Naquela altura (e por ter digitado o jogo) eu sabia que seria necessário construir uma escada para saltar pelo muro, que cercava toda a cidade. Já tinha pregos e um martelo, mas não encontrava nenhum tipo de madeira. Havia um beco em cuja descrição havia "some wood" e na minha cabeça aquilo soava como "um punhado de terra num cantinho". Demorou para a ficha cair.

Dai em diante decidi que ia fazer um adventure complexo, num micro de 16Kbytes, em português (para que ninguém ficasse preso na aventura por conta do seu vocabulário) e que refletisse um tema nacional ou uma região importante. Na amazônia tinha selva, tinha índios, onças, cobras, vestígios de antigas civilizações, desmatamentos (capemi) e de vez em quando caia um avião lá.

E assim nasceu o Aventuras na Selva, precursor do Amazônia e planejado como um produto completo, com fita cassete, manual impresso, display e na medida para ser vendido em bancas de jornais (coisa aliás que ninguém tinha feito ainda para jogos de computador).



Não consigo precisar quanto tempo ou qual o tamanho do esforço demandado na criação do Aventuras na Selva. Houve muita coisa envolvida no processo, sendo a principal delas o meu próprio aprendizado de programação. Mas tenho certeza de que não foi menor do que seis meses de trabalho nas horas vagas, madrugadas, fins de semana, etc. Uma típica produção indie, que começou no final de 1982.

No início de 83 tanto o jogo quanto o modelo de produto que eu havia imaginado estavam prontos. Tinha chegado até onde imaginei que era minha obrigação, ou seja, ao ponto de dizer: aqui está o jogo como produto. Agora é preciso produzi-lo.

Não passava pela minha cabeça ser eu mesmo o produtor. Para falar a verdade, nem saberia por onde começar e me via apenas como uma espécie de escritor. Agora competia às editoras imprimir os exemplares e distribuir para as lojas.



Em 1983 apareceu a oportunidade de publicar o jogo na revista Micro Sistemas. O modelo de publicação de programas (em livros e revistas) era o mais desenvolvido naquela época e a editora preferiu apenas publicá-lo e não produzir um produto independente ou mesmo atrelado ao conteúdo da revista.

A partir do sucesso editorial gerado pela publicação (inédita até então) de um adventure com a complexidade do Aventuras na Selva começaram a aparecer produções originais, ao lado das cópias e adaptações que estavam modelando o mercado nacional de jogos de computador.

De certa forma o Aventuras foi uma grande lição: quando há um movimento positivo de troca de experiências, conversas, amizade, etc, a criação flui naturalmente, mas para isso acontecer é preciso existir um mecanismo eficiente para aglutinar e divulgar os trabalhos e isso era feito na época pelas revistas e em especial pela Micro Sistemas.

Todos, autores e produtores, gravitavam ao redor da revista que não apenas podia divulgar as produções como servir de plataforma de publicidade para vendas (o que aliás aconteceu e fortaleceu o mercado produtor por quase 10 anos).