Finalmente a internet!

A versão para SuperVGA do Amazônia, em CD-rom foi a minha última incursão pela programação assembler no PC e para o DOS. Já estava na hora de evoluir para ambientes mais complexos e a alternativa seria obviamente o Windows. Além disso, o plano Real tinha deixado o lado comercial meio em suspenso e não parecia que as coisas iriam melhorar em um curto espaço de tempo. Estava na hora de fechar para balanço e fazer uma reavaliação de tudo.

A parte mais difícil desse processo de reinicialização não é criar ou passar dias e dias estudando e produzindo mas decidir o que fazer e principalmente qual direção seguir. Tentar imaginar o que vem pela frente e como se preparar para as eventualidades, uma vez que nada é certo e nada é definitivo.

Havia passado os últimos anos fazendo programas, jogos, escrevendo matérias técnicas, projetos especiais, dirigindo a Micro Sistemas, sendo produtor e distribuidor de jogos. Não havia neste cenário específico nada mais que fosse novidade para mim e isso começou a pesar nas decisões.

Já conhecia o potencial da comunicação via redes, pelas noitadas e madrugadas surfando nos BBSs, desde o finalzinho dos anos 80. Sentia no ar que aquele lance de transmitir dados, programas e imagens pelo computador poderia dar um caldo. No começo dos anos 90 havia uma expectativa quanto a uma rede de âmbito global, chamada internet, mas que até então era usada só para troca de mensagens (e-mails).

Na primeira metade dos anos 90 já era perceptível o potencial da internet.

Foi mais ou menos nesta época, em uma visita ao departamento de física da UFRJ, que vi pela primeira vez o Mosaic mostrando uma página web. Não era lá grandes coisas e nem existiam muitas dessas páginas para serem acessadas, mas a ideia era interessante. Percebi que as publicações impressas correriam um sério perigo, principalmente as publicações técnicas, se aquele tipo de aplicação se disseminasse pelo universo dos usuários de computadores.

Naquele momento o assunto mais importante nas conversas sobre internet girava em torno de uma transmissão pela rede, de um show dos Stones. Embora a janela de visualização tivesse o tamanho de um selo postal e a velocidade fosse de 24 segundos por quadro, a verdade é que aquilo fez os olhos de muita gente brilhar. O futuro estava bem ali na nossa frente, mesmo que naquele momento tudo não passasse de uma promessa.

Não existia internet no Brasil a não ser nas grandes universidades e no projeto de liberdade de informação, da ong do Betinho, com o Alternex criado dentro do IBASE. Através de cooperação entre os BBSs e o Alternex, era possível trocar mensagens mundo afora e ter um vislumbre do que estava por acontecer.


Mosaic e Netscape: os primeiros navegadores web.

Foi então que a Embratel (ainda como empresa pública) colocou à disposição dos usuários de BBSs 10 linhas discadas (modens de 19.900 bps) para teste de acesso à rede mundial. Foi o ponto de partida para a internet comercial no Brasil e a demanda foi tão grande que as portas de acesso dobravam em termos de dias.

Embora no cenário comercial quase nenhuma novidade estava acontecendo (leia-se nenhum grande movimento de produção de jogos) o potencial apresentado pela internet estava criando uma série de expectativas positivas. A maior delas apontava para a direção do download dos jogos, como meio de venda e distribuição.

Decidi duas coisas importantes e que definiriam meu trabalho dali para frente: ia dedicar apenas a fazer jogos e a escrever sobre programação para aqueles que, como eu, tinham esse prazer em criar. Nada mais de produzir, distribuir, vender em loja, impressão de livros, revistas, etc. O mundo físico do papel, das fitas K7, dos disquetes e dos CD-roms ia ficar para trás. Virar passado, pois o mundo estava se preparando para a era digital. Se havia algum futuro para a produção de jogos de computador no Brasil ele estava ali mesmo, na internet.

Ao longo do ano de 1996 não fiz nada a não ser estudar, pesquisar, planejar e escrever o que seria feito. Tive que reaprender programação, adotando o Delphi como plataforma de desenvolvimento.

A opção pelo Delphi não foi em função do potencial da ferramenta nem do seu uso pelas pessoas que produziam jogos mundo afora (o que não era nem de longe o caso), mas pelo casamento feliz entre a parte técnica da programação e a parte visual dos jogos.

Havia me formado em Desenho Industrial e Comunicação Visual em 1981 e embora nunca tenha assumido o termo “artista gráfico”, era de fato o cara que trabalhava e lidava com imagens, desenhos, fotografias, artes finais, diagramação, etc.

Passei 15 anos programando em linguagem Assembler, que é o ponto mais técnico, mais nerd, que um programador pode atingir e agora, com o Delphi estava de volta (virtualmente) à minha velha prancheta, desenhando, ilustrando, fotografando, ou seja, programando como um artista gráfico e não mais como um programador técnico. Dizer que foi paixão à primeira instalação do Delphi é pouco.

Em fevereiro de 1997 finalmente entra no “ar” (ou ciberespaço) o meu projeto editorial há muito tempo sonhado e imaginado: a TILT online. Um site dedicado à programação de jogos e demais curiosidades do meio. Cinco meses depois iniciam as publicações do club TILT, a parte de conteúdo pago da TILT online.


Primeiro logo da TILT, para o lançamento do site em 1997.

Uma aposta ousada, que me custou muito caro em termos de aceitação, já que a internet estava sendo dominada pela ideia do tudo grátis, independentemente do que fosse. As pessoas estavam confundindo o “free” de “informação livre e acessível para todos” com “informação gratuita e sem custo para ninguém”. Ao contrário do movimento shareware dos anos 80/90, aceito por todos como uma forma de divulgação do produto comercial pleno, na internet as pessoas queriam tudo de graça mesmo.

Apesar das dificuldades iniciais as coisas começaram a entrar nos eixos e o próprio mercado de jogos nacionais começou a dar sinais de que ia deslanchar. Mas aí a bolha pontocom explodiu em janeiro de 2000, nos Estados Unidos e embora essa explosão não estivesse nem próxima do nosso quintal, os efeitos foram sentidos por aqui também. Durante algum tempo as coisas pararam de acontecer, até que a poeira assentasse.

A bolha foi uma experiência bem diferente dos planos econômicos pois neles sabíamos de onde vinham os problemas e o resultado que eles provocavam no dia a dia. Na bolha, tudo ficou suspenso no espaço, como se estivéssemos em gravidade zero. Não dava para prever que ela iria acontecer, mas em função da forma como tinha estruturado a TILT online e o club TILT, foi possível continuar trabalhando quase como se não tivesse acontecido nada.

Finalmente estava aprendendo a me precaver e contornar as turbulências naturais do mercado.