Quando propus a questão
do jogo sem narrativa embutida, descrita na matéria
“Não, não
se trata de criar a Skynet!” estava na
verdade fazendo uma provocação ao Arthur
Protasio e seus instigantes vídeos sobre
narrativa. Todo exercício de raciocínio deve
ser levado ao extremo das suas possibilidades, para que
deles possamos tirar algum proveito ou aprendizado.
Isso quer dizer que não acredito
numa solução para a proposta? Bem, sempre
há alguma esperança. E não, não
estou dizendo que isso é a salvação
da pátria para nenhum jogo ou desenvolvedor. É
apenas uma (como tantas outras) importante forma de entender
como as coisas funcionam, no mundo da criação.
Afinal, todo mundo quer que o seu jogo seja considerado
“o” máximo dos máximos, em termos
de diversão e entretenimento.
Sempre que entro no modo introspecção
analítica e incorporo o caboclo narrativa, tento
ir reduzindo as características do “jogo”
(jogo aqui no sentido conceitual) até o ponto em
que a narrativa embutida tenda a zero. O jogo seria, como
já disse, basicamente um sistema de aprendizado.
Se você leitor assistiu
ao recente filme Real Steel, no qual um
garotinho “treina” o seu robô de luta,
está perto de entender o que estou dizendo. No filme,
o robô opera em dois modos: luta e aprendizado. No
modo aprendizado ele registra e repete todos os movimentos
do garoto, ampliando assim a sua base de dados para usar
no modo luta. Espero que tenha percebido a sutil diferença
entre programar os movimentos do robô e ensiná-lo
a movimentar-se.
No início do jogo é como
se o jogador estivesse diante de uma página em branco.
Ops! A página já é um princípio
de narrativa embutida, pois ela define não apenas
limites mas o que é possível ou não
de ser produzido ou reproduzido nela.
No meu caso, por lidar com jogos de
computador, termino (ou começo) sempre numa tela
preta, com um cursor piscando no canto inferior esquerdo.
Ops! Ok, ok, vamos dar um pequeno desconto aqui, senão
teremos que partir para o uso da imaginação
como sendo a interface do jogo e ai vai ser preciso mais
maionese que o normal, para a viagem.
Na tela preta consigo visualizar o que
está por trás: um sistema de aprendizagem,
que receberá as orientações de “como
fazer”. Mas sem nenhum enredo ou ponto pré
definido, que direção o jogador vai tomar?
O que ele vai fazer? O que passará pela sua imaginação,
naquele instante?
Aposto 100 contra 1 que muitos nesse
ponto dirão: isso não tem a menor graça
e o jogador vai desligar o monitor ou vai jogar outra coisa
(paciência?) ou pior ainda, vai para as redes sociais
falar mal do nosso jogo: não tem nada lá,
só uma tela preta.
Ótimo isso, pois assim ficamos
só uns 3 ou 4 que entenderam o exercício e
toparam ir adiante. Então vamos.
A amplitude das possibilidades é
tamanha que fica difícil resistir à tentação
de impor alguma regra inicial. Se você pensou em medieval,
espacial ou segunda guerra, errou feio. Qualquer “tema”
desses nos obrigaria a definir inúmeras outras regras
e sub regras, mais regras da regra, exceções,
etc.
Precisa ser algo mais simples, mais
direto e mais objetivo. O que nos sugere a página
em branco? Ou o monitor com a tela preta? Como tirar algo
do nada e que seja ao mesmo tempo instigante e divertido?
Estamos no km zero da estrada e o que vier à frente
é lucro.
Difícil? Complicado? Impossível?
Quer pensar mais um pouco antes de prosseguir? Eu espero.
Assim, quem sabe a gente sai um pouco do campo das especulações
e entra no campo da experimentação prática.
Enquanto isso não acontece...
É aqui que eu disse anteriormente
que (ainda) não tinha encontrado uma solução
que me agradasse realmente, mas alguns indícios apontam
em uma das possíveis direções. Pelo
que me recordo, as poucas vezes em que estive diante da
página em branco, digo, do monitor preto, (filosoficamente
falando) foi quando iniciei a criação de um
jogo.
Mais até do que o resultado final,
o processo de construção do jogo foi pra lá
de divertido. E realmente foi uma partida do zero, sem ter
muitas definições ou amarras. Afinal, tudo
o que foi definido e estabelecido (narrativa embutida) foi
feito depois de iniciado o processo e portanto criar a narrativa
embutida fez parte da narrativa emergente (fala a verdade,
você não esperava por essa, não é
mesmo?).
Mas, mas, mas... Criar um jogo não
é jogar. Jogar é essencialmente competir (consigo
mesmo, com o computador ou com outros jogadores).
Será mesmo? Não?
Não mesmo? Já ouviu falar em Global
Game Jam? Subverti as regras? Mudei o paradigma?
Trapaceei? Bem, James T. Kirk
fez o mesmo no teste do Kobayashi Maru
e...