É
um fato conhecido por todos nós de que dispomos de pelo
menos dois bons produtos de exportação, que embutem
aspectos da cultura brasileira: música e novelas de televisão.
Onde esses produtos entram, levam com eles um pouco do nosso modo
de ser, de ver as coisas, o mundo e principalmente do nosso jeito
alegre e descontraído.
E nos jogos de computador?
Em nossos jogos? Nos jogos feitos aqui mesmo, no Brasil? É
possível identificar algum traço cultural brasileiro
neles? Daria para distinguir, num lote de jogos, aquele que é
produto genuíno brazuca?
Antes de entrar nesta
questão é preciso fazer uma observação:
identidade cultural não quer dizer folclore nacional e
eu não estou falando necessariamente de um jogo do saci-pererê
e muito menos no jogo da mula-sem-cabeça. Estou me referindo
àqueles traços que distinguem claramente um jogo
japonês de um jogo americano, por exemplo.
Então, voltando,
é lícito pensarmos em uma identidade cultural para
jogos produzidos no Brasil, ou estamos condenados perpetuamente
a repetir os modelos medievais, espaciais, etc?
Há uns 10
anos foi produzido e lançado por aqui um jogo chamado Incidente
em Varginha, cujo enredo se valia de um caso de especulação
sobre ETs, na cidade mineira. Independentemente de ser verdade
ou não (o caso, não o jogo), o jogo não apenas
seguia o que era mais moderno em termos de tecnologia de construção
e produção, como estava "afinado" com
as tendências dominantes que viriam a seguir, em relação
ao modelo FPS (ou jogo de tiro em primeira pessoa). Não
fosse por uma manobra sorrateira do distribuidor, teríamos
um FPS 3D brasileiro antes mesmo de Dooms e Quakes dominarem o
mercado.
De lá para
cá tivemos clones dos mais variados modelos americanos
de sucesso, mas os temas nacionais praticamente desapareceram
de cena. A mais recente investida (parcial) neste campo foi o
Erínia, que por diversos motivos operacionais não
obteve sucesso no mercado de jogos médios ou de ponta (os
jogos conhecidos como AAA).
No entanto, o que
importa é definir se o traço cultural é realmente
relevante para um jogo brasileiro fazer sucesso por aqui (e ter
pelo menos algum diferencial quando for exportado). Por exemplo:
o fato de falar português não nos impede de termos
bandas brasileiras de rock fazendo sucesso. No entanto esse rock
não resulta em um bom produto de exportação
e seu sucesso por aqui nem se compara ao sucesso das demais linhas
musicais "nativas", como samba, pagode, sertanejo, mpb,
axé, etc...
Da mesma forma se
diz do cinema brasileiro que, quando se mete a fazer filmes imitando
Hollywood, acaba sempre produzindo produtos inadequados em contraste
com os sucessos que obtém quando produz filmes na mais
pura linguagem brasileira (aliás, da qual temos uma vasta
tradição de bons produtos).
Será que isso
vale para o mercado de jogos? E se vale, por que razão
nossa produção é tão calcada em modelos
já conhecidos e amplamente explorados por produtoras em
melhores condições estruturais, financeiras e estratégicas
do que as nossas? Onde estaria o problema, afinal de contas?
Se traçar
um paralelo com o futebol, podemos avaliar que falta aquele trabalho
de base, feito ainda na formação dos futuros profissionais
e lançado ao maior número possível de pretendentes.
Os cursos de formação, extensão e pós-graduação
em jogos seriam um primeiro lugar para o fomento de idéias
inovadoras. Sites, listas de discussão e blogs seriam outros
importantes pontos a serem observados.
Seja como for, é
preciso não apenas debater o assunto como tentar reverter
logo esse quadro de absoluta aridez, em relação
à cultura brasileira presente nos modernos jogos de computador.
Pelo menos naqueles feitos por aqui mesmo.
Em tempo: o único
jogo de luta conhecido e que é baseado na capoeira brasileira,
foi feito por um estúdio americano. |